Mestre, qual é o grande mandamento na lei? E Jesus disse-lhe: Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento. Este é o primeiro e grande mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas.” Mateus 22:36-40
A lei de Deus se resume em dois preceitos: amar a Deus e amar ao próximo (Mateus 22:36-40) O apóstolo Paulo diz: “Toda a lei se cumpre numa só palavra: Amarás a teu próximo como a ti mesmo “(Gl 5:14). Ele quer dizer que o amor exigido ao próximo na segunda tábua da lei já inclui o amar a Deus. O amor compreende todos os mandamentos e, portanto, com propriedade ele diz: “O amor é o cumprimento da lei” (Rm 13: 09- 10). O amor é o resumo do Decálogo e do conteúdo de cada mandamento. Cada mandamento inclui nele todos os pecados com todas as suas causas, meios e ocasiões tal como foi exemplificado na exposição de nosso Senhor do sexto e sétimo mandamentos (Mateus 5:21, 22, 27, 28). A lei, que é espiritual, não atinge apenas a ações externas, feitas no corpo, mas os pensamentos interiores, afetos e desejos da mente.
O prefácio do Decálogo contém argumentos ou motivos para obediência aos mandamentos:
1 . Que “o Senhor” Jeová é o autor do nosso ser, da nossa vida; é Deus das misericórdias, Senhor soberano, ordenador do mundo; é ele quem comanda suas criaturas e faz com que elas o obedeçam.
2. Que esses preceitos ordenam que Ele é o Senhor teu Deus, não só o teu Criador, teu Preservador e Benfeitor, mas o mantenedor da tua aliança com Ele. Se a aliança nacional com os judeus foi mantida com muito cuidado e amor, quão maior será a atual sob o pacto da graça!
3. Que os preceitos entregues através das mãos e ministério de Moisés foram direcionados aos que foram tirados da terra do Egito, da casa da servidão, isto é, o povo de Israel. No entanto, como são de natureza moral e concordantes com a lei da natureza, são igualmente obrigatórios para os gentios. O resgate dos israelitas foi um tipo da redenção espiritual e eterna por Cristo da escravidão do pecado, de Satanás e da lei. Portanto a obrigação de servir e obedecer ao Senhor é ainda mais forte e convincente (Tt 2:14; 1 Co 6:20).
Segue o decálogo
1. O primeiro mandamento é “Não terás outros deuses diante de mim“. As coisas necessárias para obediência desse preceito são:
a. Que devemos reconhecer a um só Deus verdadeiro e a mais ninguém (Marcos 12:29;. Salmos 46:10; Oséias 13:4);
b. Que devemos adora apenas a Deus; e a nenhuma outra criatura com ele, nem mais do que ele; nem, na verdade, qualquer outro Deus além dele (Mateus 4:10;. Romanos 1:25).
c. Que devemos exercer fé, confiança e esperança nele e amá-lo, (João 14:1;. Jeremias 17:05, Mateus 22:39). As coisas proibidas nesse mandamento são:
d. Ateísmo; negar que há um Deus, ou qualquer das perfeições essenciais da Divindade, tais como: onisciência, onipotência, a sua providência e governo do mundo (Salmo 14:1; Ezequiel 9:09);
e. Politeísmo ou o culto de muitos deuses tanto por judeus ou gentios, tais como: o sol, a lua, as estrelas, o exército dos céus e uma infinidade de coisas na terra (Deuteronômio 4:19; Jr 2:28;1 Co 8:5, 6);
f. Tudo o que é crido e amado como Deus, tais como: riqueza e bens, que é idolatria, (Jó 31:24;. Salmo 49:6;. Efésios 5:5); desejos carnais, como um epicurista, cujo deus é seu próprio ventre (Filipenses 3:19); qualquer outro desejo ou ídolo criados no coração de um homem como a auto-justiça, ou seja ela qual for (Ezequiel 14:04, 36:25). O termo “diante de mim” não é para ser esquecido. O que tanto pode apontar para a onisciência de Deus em cujos olhos tal idolatria deve ser muito desagradável; ou à substituição de qualquer objeto de adoração por ele, como Manassés que colocou uma imagem esculpida no próprio templo (2 Reis 21:7); ou pode ser entendido também como “, Além de mim”, assim excluindo todos os outros objetos de culto, que roubam a glória de Deus (Is 44:8, 45:21).
2. O segundo mandamento é “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima no céu, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra; Não te encurvarás a elas, nem as servirás”. Que respeita ao modo de adoração. E,
a. Requer que seja espiritual, adequado à natureza de Deus, sem qualquer imaginação carnal, ou representações externas da glória Dele (João 4:23, 24;. Fp 3:3). As partes do culto divino são: oração, louvor, pregação, audição da palavra e administração das ordenanças. Isso deve ser observado tal como foram entregues, ou seja, sem qualquer adição, corrupção e alteração deles (Dt 4:2; 1 Coríntios 11:2);
b. Proíbe toda superstição, adoração e tradições humanas, preceitos e mandamentos dos homens e proíbe qualquer coisa para a adoração de Deus que ele não ordenou, (Isaías 29:13, Mateus 15:8; Cl 2:20-23) tais como: imagens, figuras e representações do Ser divino, e de qualquer uma das pessoas da divindade. De fato proíbe a imagem de qualquer criatura do céu, da terra ou do mar a fim de ser adorado ou utilizado para esse propósito (Dt 4:15-18, Atos 17:29; Rom 1:23). A proibição não é apenas para imagens de divindades pagãs, que eram para ser quebradas e queimadas, mas as de Cristo crucificado, da Virgem Maria, dos anjos e dos santos que já partiram e que são adorados pelos papistas (Dt 7:5; Ap 19:20). Nem todas as imagens, pinturas e esculturas são proibidas pelo mandamento, mas apenas aquelas utilizadas e feitas para o culto divino. As que são feitas para enfeite, para o uso da história ou para perpetuar a posteridade e a memória de homens e suas ações não devem ser proibidas, uma vez que havia imagens de coisas, de leões, bois e querubins no tabernáculo e no templo por ordem expressa de Deus (Ex. 25:18; 1 Rs 6:32, 7: 29).
c. Os motivos que induzem a obedecer a esta ordem são tomadas a partir de Deus que, sendo zeloso, não dá sua glória a nenhum outro, nem o seu louvor às imagens de escultura. Sua punição é severa contra os que fazem tais coisas, castigando até mesmo a posteridade deles que trilhará os seus passos; mas o amor e a misericórdia será para com aqueles que observam o preceito (Isaías 42:8; Dt 32:21, 04:23, 24; 1 Reis 19:18).
3. O terceiro mandamento é “Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão“. Que,
a. Requer o uso santo e reverente do nome de Deus, de seus títulos, perfeições e atributos, quer por palavras ou obras e até mesmo em conversa comum e, especialmente, no culto religioso. Também exige que se deva andar segundo a santidade do Seu nome e invocá-lo sempre com ações de graça (Sl 111:9; Sl 89:7;. Mq 4:5;. Rm 10:12;. Sl 103:1);
b.Proíbe tomar o nome de Deus em vão e de qualquer de seus títulos em conversa comum, utilizando-os de uma forma leviana em juramentos profanos e maldições (Rm 3:13; Tg 3:9 – 10). Proíbe também o perjúrio, ou seja, o jurar falsamente pelo Seu nome, pois, embora um juramento possa sempre ser tomado legalmente com o nome de Deus, nunca se deve tomá-lo falsamente (Dt 6:13; Hb 6:16; Zc 8:17). Assim também blasfemar contra o nome de Deus é uma violação deste preceito, (Lv 24:14; Sl 74:10).
4. O quarto mandamento diz respeito ao tempo de adoração, a guarda de um dia santo para o Senhor e a exigência de que ele deve ser depois de seis dias de trabalho (Ex. 20:9). O dia de descanso deve ser observado em exercícios religiosos (Is 58:13; Rm 14:6), fazendo cessar, portanto, todo trabalho, todos os negócios seculares e entretenimento do mundo. A exceção seria para as obras de necessidade e misericórdia. O exemplo é dado a partir do repouso de Deus das obras da criação (Ex . 35:2 – 3; Ne 10:31; Gn 2:1- 2).
5. O quinto mandamento requer honra, reverência e obediência a serem dadas pelo inferiores aos superiores como por exemplo: filhos aos pais, alunos aos professores, servos aos senhores e civis aos magistrados. Proíbe todo desrespeito, desprezo, irreverência e desobediência aos superiores.
6. O sexto mandamento é “Não matarás”. Que,
a. Requer todo o cuidado no uso dos meios adequados para a preservação de nossas vidas e a vida dos outros. A vida é e deve ser querida a um homem; auto-preservação é o primeiro princípio por natureza e cada método deve ser legalmente utilizado para preservar a vida, como alimentos, remédios, sono e outros; evitando tudo o que tende a prejudicar a saúde e colocar em risco a vida (Jó 2:4; 1 Tm 5:23);
b. Proíbe o tirar a própria vida, o assassinato de toda espécie como o fratricídio, o parricídio, o homicídio e suicídio, pois esta lei é “contra os assassinos de pais e mães, de assassinos e homicidas” e destruidores de si mesmos (1 Tm 1:1). Nenhum homem tem o direito de tirar sua própria vida nem a vida do outro, pois é contrário à autoridade de Deus, o criador soberano da vida, (Dt 32:39); à lei da natureza (Atos 16:28) e à bondade de Deus, que dá a vida, (Jó 10:12, Atos 17:28). O matar também é contrário ao amor de um homem a si mesmo, ao seu vizinho e é um prejuízo para a comunidade ou bem público, privando assim o rei de seu súdito. Mas não que a vida não possa ser tirada numa guerra lícita que, às vezes, é de Deus, que “faz a paz e cria o mal”, o mal da guerra, e pelas mãos do magistrado civil, que porta a espada da justiça, e a usa para a punição de crimes capitais. Matar também é legítimo em autodefesa (1 Cr 5:22; Is 45:7; Gn 9:6; Rm 13:4; Ex 22:2);
c. Toda intemperança, comer e beber sem moderação, que tendem a destruir a vida, toda ira pecaminosa, ira indevida, paixões desordenadas, brigas, golpes, contendas, habitações e outras são violações deste direito (Pv 23:1, 2; Mt 5:21- 22).
7. O sétimo mandamento é “Não cometerás adultério“. Que,
a. Exige a castidade e a preservação dela em nós mesmos e nos outros, quer sejamos solteiros ou casados. Requer a abstenção de toda impureza da carne e do espírito e ainda exorta para conservação do leito sem mácula, isto é, o amor conjugal e a coabitação. O mandamento também exige a sujeição do corpo, a mortificação do apetite desordenado, a proibição da prostituição, da intemperança como no caso de Ló, da preguiça e da ociosidade como em Sodoma, do vestuário imodesto e enfeitado como em Jezabel, das más companhias, dos locais onde reina o pecado e também da leitura de livros impuros;
b. Proíbe todas as espécies de impureza; não só o adultério, a fornicação, mas o estupro, o incesto e todos os desejos não naturais (1 Co 6:18; 1 Ts 4:3; Lv 18:6- 20).
c. Os pensamentos e desejos impuros, os olhares luxuriosos, as palavras obscenas, as ações imundas, os tumultos, as bebedeiras, as impudicícias e dissoluções são violações deste mandamento (Mt 5:27-28; 2 Pe 2:14;.Ef 5:4; Rm 13:14).
8. O oitavo mandamento é “Não roubarás“. Que,
a. Requer que devemos obter, preservar e aumentar a nossa própria riqueza e a dos outros de uma forma legal; que devemos ser diligentes em nossos chamados, com cuidado para fornecer as nossas famílias coisas convenientes, honestas e respeitáveis aos olhos de todos; que tenhamos um pouco para dar a quem precisa para que os mesmos não sejam tentados a roubar dos outros, pois Deus odeia o roubo e toda injustiça (Pv 22:29; 1 Tm 5:8; Rm 12:17; Ef 4:28; Is 61:8);
b. Exige verdade, justiça e fidelidade em todas as relações com os homens; não dever nada a ninguém, mas dar a todos os seus encargos; Usar de pesos e medidas justos; ser fiel a todos os compromissos, promessas e contratos e em tudo que está sob o nosso cuidado e confiança (Rm 13:7- 8; Lv 19:35-36, Lv 6:2-5; Ne 5:12);
c. Proíbe todas as formas injustas de aumentar a nossa riqueza prejudicando o nosso próximo; as balanças, pesos e medidas falsos; transações desonestas; o tirar pela força ou pela fraude os bens e as propriedades dos homens; o pegar emprestado e não pagar; a extorsão, a opressão e a usura ilegal, pois nem toda usura é ilegal, apenas a que é exorbitante e opressora dos pobres; pois é razoável que um homem ganhe pelo dinheiro de outro homem e que o outro tenha uma participação proporcional no ganho. Nem foi sem pagamento nem uma violação desta lei o empréstimo que os israelitas fizeram aos egípcios, uma vez que foi por ordem de Deus, que é Senhor de todas as coisas. Ademais o empréstimo pôde ser debitado dos serviços que os israelitas prestaram aos egípcios no período da escravidão (Amós 8:5-6; 1 Ts 4:06, Sl 37:21; 1 Co 6:9-10; Dt 23:1-20; Ex 11:02; Ex 12:35).
9. O nono mandamento é “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo“. Que,
a. Requer que se tenha cuidado com a boa reputação do nosso próprio nome e do nosso próximo, que é melhor do que o óleo precioso; que se fale a verdade cada um com o seu próximo, quer seja em conversa particular ou, especialmente, em julgamento público (Ec 7:1; Zc 8:16; Ef 4:25).
b. Proíbe toda mentira e todo desejo de enganar a mente e a consciência de um homem. Condena todos os tipos de mentiras: as jocosas, as oficiosas, as perniciosas, todos os equívocos e reservas mentais, o perjúrio e todo juramento falso, quer sendo testemunha falsa, quer subornando testemunhas falsas em um tribunal de justiça (Mt 26:59- 60, At 6:11-12). Contra essas pessoas Deus será uma testemunha veloz para castigá-los (Ml. 3:5). Também proíbe toda calúnia, fofoca, quer levantando, recebendo, divulgando ou incentivando más informações contra o próximo, pois isso é contrário à caridade (Sl 50:19- 20; Lv 19:16, Jr 20: 10, 1 Co 13:7).
10. O décimo mandamento é “Não cobiçarás”. Que requer,
a. Contentamento em qualquer estado e condição de vida. Uma lição que o apóstolo Paulo aprendeu e que cada homem deveria fazer o mesmo (Fp 4:11, Hb 13:5; 1 Tm 6:6-8), desejando com alegria e prazer a felicidade do próximo (Sl 35:27).
b. Proíbe toda inquietação e descontentamento nas circunstâncias presentes e toda inveja à prosperidade dos outros (Sl 37:7;Sl 73:3); condena a cobiça como uma coisa má e que é idolatria entre os santos ( Is 57:17; Cl 3:8; Ef 5:3).
c. Menciona os objetos particulares que não devem ser cobiçados: “A casa do próximo” para tirá-la pela força como alguns fizeram (Mq 2:2); “A mulher do próximo” como Davi cobiçou Bate-Seba (2 Sm 11:3); ” o servo ou a serva do próximo” como um rei, que se aproveitado do seu poder e visando atender apenas os seus caprichos, coloca-os a sua disposição como sugeriu Samuel (1 Sm. 8:16); ” o boi ou o jumento do próximo “, do qual Samuel, nesse ponto, desculpando a si mesmo, foi achado íntegro (1 Sm 12:03);” qualquer coisa do próximo “: ouro, prata, vestuário ou quaisquer outros bens; desse pecado o apóstolo Paulo se declarou livre (Atos 20:33).
d. Esse mandamento ataca a raiz de todo pecado, a concupiscência (Tg 1:13- 14). A consciência dessa concupiscência em nós é conhecida pela lei e, por ser pecado, é condenada pela mesma (Rm 7:7).
Em todos os preceitos a lei é grande e extensa. Diante desse fato Davi pode muito bem dizer: ”O teu mandamento é amplíssimo” (Sl 119:96).A lei não pode ser perfeitamente cumprida pelo homem em seu estado pecaminoso e decaído; por isso ninguém pode ser justificado diante de Deus pelas obras da lei, embora para os que são de Cristo exista uma justiça revelada no evangelho, manifestada sem a lei e testemunhada pela lei e os profetas, composta de sua obediência ativa e passiva, que é o fim e o cumprimento da lei para todos que a consideram (Rm 3:20-22, 10:4).
John Gill
John Gill (Kettering, Northamptonshire, 23 de novembro de 1697 – 14 Outubro 1771) foi o autor de uma análise da Bíblia, An Exposition of the Old and New Testament. Seu pai era diácono da igreja batista de Kettering. Desde cedo ele foi colocado na escola, mas sofreu com o preconceito dos clérigos que dirigiam o local. Ele tentou entrar para um seminário, mas foi rejeitado por ser muito jovem. Ele continuou os estudos por conta própria, e, aos dezenove anos de idade, já havia lido todos os principais clássicos em grego e latim, e havia estudado lógica, retórica, filosofia natural e filosofia moral, além de ter conhecimento da língua hebraica.