“Vós vos apartastes de minhas ordenanças e não as guardastes”. (Malaquias 3.7)
I
1. EXISTEM, de fato, agora, – após terem sido a vida e a imortalidade traduzidos à luz pelo Evangelho, – quaisquer ordenanças? Há, sob a dispensação cristã, meios ordenados por Deus, como canais ordinários de sua graça? Esta questão jamais teria sido levantada na Igreja apostólica, a não ser que o fosse por alguém que abertamente se confessasse pagão, já que toda a Cristandade concordava com o fato de ter Cristo estabelecido certos meios exteriores; para por meio deles comunicar sua graça à alma dos homens. Sua prática constante colocou este ponto fora de qualquer contestação; uma vez que “todos os que criam estavam juntos e tinham todas as coisas em comum” (At 2.44), “eles perseveravam na doutrina dos apóstolos, e no partir do pão, e nas orações” (versículo 42).
Não se pode supor que esses homens santos e veneráveis pretendessem, de início, outra coisa, senão mostrar que a religião exterior de nada vale, quando desacompanhada da religião do coração; que “Deus é Espírito, e em espírito e verdade é que devem prestar-lhe culto aqueles que o cultuam”; que, assim sendo,o culto externo é trabalho perdido, sem um coração devotado a Deus; que as ordenanças exteriores de Deus aproveitam muito, quando aumentam a santidade interior; mas, não produzindo tal resultado, são inúteis e vãs, ao piores de que a vaidade; e, mais: quando usadas, por assim dizer, em lugar da vaidade, são completa abominação à vista do Senhor.
Além disto, não é impossível que afinal alguns dentre esses santos homens creiam, como tem acontecido,na justeza dessa opinião, principalmente no caso daqueles que, não por deliberação pessoal, mas pela Providência de Deus, sentiram-se privados de todas essas ordenanças, talvez errantes, não tendo morada certa, habitando em covas e cavernas da terra. Esses homens, experimentando em si mesmos a graça de Deus, embora estivessem privados de todos os meios exteriores, seriam levados a inferir que a mesma graça se comunicaria aos que, de propósito deliberado, se abstivessem deles.
Eles já estão cansados de lutar, (como parece), em vão, de trabalharem para o fogo; assim, acolhem com júbilo qualquer sugestão que ao mesmo tempo libere sua alma daquilo em que ela não tem prazer, dispense-os do labor penoso e os mergulhe em preguiçosa inatividade.
1. No discurso que se segue proponho-me examinar mais minuciosamente se há quaisquer meios de graça. Por “meios de graça” entendo os sinais exteriores, palavras ou ações, ordenados por Deus, e designados para esse fim, para serem canais ordinários pelos quais Ele comunica aos homens a graça preventiva, justificadora e santificante.
Uso a expressão – “meios de graça” – porque não conheço outra melhor e porque ela tem sido geralmente usada na Igreja Cristã através de muitas gerações, em particular por nossa própria Igreja, que nos dirige no louvor de Deus pelos meios de graça e pela esperança da glória, ensinando-nos também que o sacramento é “o sinal exterior de uma graça interior, e um meio pelo qual recebemos a mesma graça.
Os principais desses meios são a oração, seja secreta ou juntamente com a congregação; o estudo das Escrituras (que compreende a leitura, audição e meditação delas); e a participação da Ceia do Senhor, comendo o pão e bebendo o vinho em memória de Cristo: cremos que tais meios foram ordenados por Deus, como canais ordinários pelos quais Ele comunica sua graça à alma dos homens.
3. Igualmente confessamos que todos os meios exteriores, quaisquer que sejam, se apartados do Espírito Santo, de modo algum podem ser de proveito, não conduzindo, de forma alguma, nem ao conhecimento, nem ao amor de Deus. Sem contestação, o auxílio dado sobre a terra é Deus quem no-lo dá. Somente Ele opera em nós, por seu ilimitado poder, aquilo que é agradável à sua vista; e todas as coisas exteriores, a não ser que o Senhor opere nelas e por elas, são simples elementos fracos e fantasiosos. Quem quer, pois, que imagine haver algum poder intrínseco em não importa que meios, erra completamente, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus. Sabemos que nenhum poder inerente existe nas palavras pronunciadas na oração, na letra lida nas Escrituras, no som dos vocábulos da Escritura percebido pelos que ouvem, ou no pão e no vinho recebidos na Ceia do Senhor, mas que só Deus é o Doador da toda a boa dádiva, o Autor de toda a graça: visto que todo poder lhe pertence, por esse poder, e através de qualquer dos meios, haverá uma benção comunicada às nossas almas. Sabemos, do mesmo modo, que Deus seria capaz de conceber a mesma graça, embora não houvesse meios sobre a face da terra. Neste sentido podemos afirmar que, do ponto de vista de Deus, não existe aquilo a que chamamos meios, uma vez que Ele é igualmente capaz de operar o que lhe aprouver, por algum meio sem meio algum.
Todo crente em Cristo está profundamente convencido de que nenhum mérito existe senão nele; que nenhum mérito existe em qualquer obra humana, nem no atender às orações, ou pesquisar as Escrituras, ou ouvir a Palavra de Deus, ou come aquele pão ou beber daquele cálice. Assim é que, se pela expressão de que alguns têm usado:— “Cristo é o único meio de graça” – não se entender mais do que – Ele é a causa única meritória da graça, — não pode haver desmentido da parte de ninguém que conheça a graça de Deus.
“Bem; mas, como deverei esperar?” “Nos meios de graça ou fora deles? Devo esperar pela graça de Deus que traz a salvação, usando desses meios ou pondo-os de lado?”
De fato, Ele não nos deixou na incerteza, mas, ao contrário, mostrou-nos o caminho por onde devemos seguir. Temos apenas de consultar os Oráculos de Deus, investigar o que ali se acha escrito; e, se nos conduzirmos somente segundo sua direção, não haverá possibilidade de que em nós perdure qualquer dúvida.
1. Segundo a decisão do Sagrado Escrito, todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela através dos meios ordenados por Deus, usando-os e não os deixando à margem.
E, primeiro, todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela na prática da oração. Esta é a expressa orientação dada pelo próprio Senhor nosso. Em seu Sermão do Monte, depois de haver explanado com abundância em que consiste a religião e seus aspectos principais, acrescenta: “Pedi, e dar-ser-vos-á; buscai, e achareis, batei, e abrir-se-vos-á. Pois todo o que pede, recebe; o que busca, acha; e a quem bate, abrir-se-lhe-á” (Mt 7.7,8). Por estas palavras somos incitados, de modo mais frisante, a pedir, para que recebamos ou como meio de recebermos; a buscar, para que achemos a graça de Deus, a pérola de grande preço; e a bater, a continuar pedindo e buscando, se quisermos entrar em seu Reino.
“Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que dá a todos liberalmente”, se eles pedirem; de outra sorte “não tendes”, “porque não pedis”. Deus “não impropera” e “ser-lhe-á dado”. (Tg 1.5; 4.2).
Se se objetar: “Mas esta não é uma direção dada a incrédulos, aos que não conhecem a graça perdoadora de Deus, porque o apóstolo acrescenta: Peça-a, porém, com fé; de outro modo, não pense o tal que receberá do Senhor alguma coisa”.
Respondo: a significação da palavra fé, neste lugar, foi fixada pelo próprio apóstolo, no propósito, por assim dizer, de aparar tal objeção, nas expressões que imediatamente se seguem: “Peça com fé, nada duvidando” – nada duvidando, mhden diakrinomenov, no original grego: não duvidando de que Deus ouça sua oração e cumpra o desejo de sua alma. O grande e blasfemo absurdo de supor que a palavra fé, neste lugar, possa tomar-se na plena significação cristã, resulta disto: pressupor que o Espírito Santo encoraje o homem, que ele sabe não ter essa fé (que é aí chamada sabedoria), e pedi-la a Deus, com a promessa categórica de que lhe “será dada”, e imediatamente depois acrescentar “que ela não lhe será dada”, a não ser que a possua antes de pedir! Mas, quem pode nutrir uma tal suposição? Desta Escritura, como das demais acima citadas, devemos inferir que todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela em oração.
As direções de nosso Senhor, em relação ao uso desse meio, são do mesmo modo claras e precisas.
“Examinai as Escrituras” – disse ele aos judeus incrédulos – “porque elas dão testemunho de mim” (Jo 5.39). Cristo os incitou à pesquisa das Escrituras exatamente em este propósito, isto é para que pudessem crer nele.
A objeção segundo a qual “não se trata aí de um mandamento, mas somente de uma alusão ao fato de eles examinarem as Escrituras” é clamorosamente falsa. Desejo que os que assim pensam nos digam como pode um mandamento ser mais claramente expresso do que o foi naqueles termos: Eraunate taV Urafav?
E tão peremptório como as próprias palavras podem sê-lo.
Que a benção de Deus acompanha o uso desse meio, ressalta do que está escrito acerca dos Bereanos,que, após ouvirem a S. Paulo, “investigavam diariamente as Escrituras, verificando se aquelas coisas eram assim. Por isso muitos deles criam”, encontrando a graça de Deus no caminho que Ele havia proposto (At 17.11,12).
É provável, na verdade, que, no tocante a alguns dos que “receberam a palavra com avidez”, a “fé lhes viesse”, como diz o mesmo apóstolo, “pelo ouvido”, sendo apenas confirmada pelo exame das Escrituras; mas já foi observado acima que, sob a expressão genérica de examinar as Escrituras, tanto se pode entender a leitura, como a audição e a meditação de Palavra.
Temos, pois, que a primitiva direção dada por nosso Senhor é expressamente repetida pelo apóstolo: “coma, beba”; (esqietw pinetw, ambos do imperativo), palavras que não foram empregadas em sentido meramente permissivo, mas no caráter de mandamento claro e explícito; mandamento dirigido a todos os que já estejam cheios de paz e alegria na fé, ou que possam verdadeiramente dizer: “a lembrança de nossos pecados nos é dolorosa, o peso deles nos é intolerável”.
1. Mas, apesar de haver o Senhor tão claramente apontado ou meios através dos quais Ele deverá ser procurado, inumeráveis são as objeções que certos homens, sábios a seus próprios olhos, têm, de tempo em tempo, arguido contra eles. Pode ser de utilidade a consideração de algumas delas, não porque tenham valor em si mesmas, mas porque têm sido usadas com frequência, especialmente nos últimos anos, no intuito de fazer que o estropiado erre o caminho; para perturbar e subverter os que corriam bem, até o próprio Satanás se transforma em anjo de luz.
A primeira e principal objeção é esta: “Não podeis usar esses meios de graça (como os denominais), sem confiar neles”. Rogo que me indiques onde isto se acha registrado. Espero que me mostreis alguma passagem clara das Escrituras em abono dessa asserção; do contrário não a receberei, porque não estou convencido de que sois mais sábios do que Deus. Se realmente fosse como dizeis, por certo que Cristo havia de sabê-lo; se o soubesse, seguramente nos teria prevenido, tê-lo-ia revelado há muito tempo. Por esta razão, porque não o fez, porque não há nenhum vestígio de semelhante teoria em parte alguma da Revelação de Jesus Cristo, estou tão perfeitamente certo de que é falsa vossa asserção, quanto o estou de que procede de Deus aquela Revelação.
“Entretanto, põe-nos de parte por um curto prazo, e verás se nele confias, ou não”. Assim, devo desobedecer a Deus para saber se confio na obediência a Ele! E ainda formulais um tal conselho?
Ensinais deliberadamente a “fazer o mal, para que venha o bem?” Oh! Tremei em face da sentença de Deus contra tais mestres! Sua “condenação é justa”.
“Pois bem: se ficas conturbado quando pões de parte os meios de graça, é claro que neles confias”. Nem tanto. Se fico triste quando voluntariamente desobedeço a Deus, é claro que seu Espírito ainda está lutando comigo; mas, se a prática voluntária do pecado não me perturba, claro é que me encontro entregue à reprovação. Mas, que entendeis pela expressão “confiar neles”? Esperar pelas bênçãos de Deus através deles? Acreditar que, procurando esse caminho, alcançarei o que de outro modo não obteria?
Assim procedo. E isso farei, auxiliando-me Deus, até o fim de minha vida. Pela graça de Deus assim confiarei nos meios de graça até o dia da morte, isto é, crerei que aquilo que Deus prometeu, Ele é bastante fiel para cumprir. Visto que Deus prometeu abençoar-me por esse meio, confio em que sucederá segundo sua palavra.
Espero que Ele cumpra sua palavra, que me encontre e abençoe nesse caminho. Não por amor de quaisquer obras, que não as tenho; nem pelos méritos de minha justiça, que é nula; mas exclusivamente pelos merecimentos, sofrimentos e amor de seu Filho, em que Ele sempre se compraz.
Examinemos as Escrituras a que vos referis.
A primeira delas, com seu contexto, diz assim: “E como Faraó se avizinhasse, levantando os filhos de Israel os olhos, viram os egípcios nas suas costas: e ficaram passados de medo: e clamaram ao Senhor. E disseram a Moisés: talvez não houvesse sepulturas no Egito, e por isso nos tirastes de lá, para morrermos neste deserto. E Moisés disse ao povo: Não temais, permanecei firmes, e vereis a salvação do Senhor. E o Senhor disse a Moisés: Dize aos filhos de Israel que marchem. E tu levantas o teu cajado, e estende a tua mão sobre o mar, e divide-o, para que os filhos de Israel caminhem em seco pelo meio do mar”. (Êx 14.10ss)
A outra passagem em que ocorre aquela expressão é a seguinte: “E vieram mensageiros e avisaram a Josafá, dizendo: Eis que aí vem contra ti uma grande multidão daqueles lugares que estão da banda do além do mar. E Josafá, passado de medo, se aplicou inteiramente a rodar ao Senhor, e fez publicar um jejum em todo o Judá. E Judá se ajuntou para implorar o Senhor: e até todos saíram das suas cidades para lhe fazerem rogativas. E Josafá se pôs de pé no meio da congregação, na casa do Senhor. – Então sobre Jehaziel veio o Espírito do Senhor, e disse: Não vos assusteis, nem tenhais medo dessa grande multidão.
Amanhã ireis contra eles, e não tereis necessidade de combater nessa batalha. Tende confiança e vereis a salvação do Senhor. E levantando-se pela manhã, marcharam. E tendo eles começado a cantar louvores, o Senhor revirou as ciladas dos inimigos contra si mesmos, isto é, os desígnios dos filhos de Amon, e de Moabe, e dos montanheses de Seir. E uns aos outros se deram cabo às cutiladas”. (2Cr 20.2ss). Tal foi a salvação que os filhos de Judá viram. De que maneira podem essas coisas provar que não devamos esperar pela graça de Deus, através dos meios que Ele ordenou?
“Não diz S. Paulo: Se morrestes com Cristo, pó que vos sujeitais às ordenanças? (Cl 2.20). Logo, o cristão, que morreu com Cristo, não mais tem necessidade de usar as ordenanças”.
Assim sendo, tirais a seguinte inferência: “Se sou cristão, não estou sujeito às ordenanças de Cristo!”
Evidentemente, pelo absurdo da conclusão, podeis ver de relance que as ordenanças ali mencionadas não podem ser as ordenanças de Cristo: são, ao revés, e necessariamente, as ordenanças judaicas, às quais é certo que o cristão já não está sujeito. A mesma irrecusabilidade transparece das palavras que imediatamente se seguem: “Não toqueis, nem proveis, nem manuseeis semelhantes coisas”, tudo evidentemente se referindo às antigas ordenanças da lei judaica.
Deste modo essa objeção vem a ser a mais fraca de todas. A despeito de tudo, aquela grande verdade permanece inabalável, de modo que todos os que desejam a graça de Deus, devem esperar por ela na observância dos meios que Ele ordenou.V
1. Estabelecido esta ponto, isto é, que todos os que desejam a graça de Deus devem esperar por ela na observância dos meios que Ele ordenou, pode-se perguntar ainda: Como devem ser usados esses meios, isto é, qual a ordem e qual a maneira de usá-los? Em relação à ordem, observamos que há certa regra, segundo a qual é, geralmente, do agrado de Deus usar desses meios para levar os pecadores à salvação. O estúpido, o insensato, o desgraçado pecador vai seguindo seu caminho, não tendo a Deus em seus pensamentos, — quando, de surpresa, Deus vem ao seu encontro, talvez por meio de um sermão ou de uma conversa que desperta, talvez por uma terrível providência, ou pode ser que por meio de um toque imediato de seu Espírito esclarecedor, absolutamente sem nenhum meio externo. Tendo agora vivo desejo de fugir à ira vindoura, deliberadamente vai ouvir a Palavra, de modo que lhe for dado fazê-lo. E encontra um pregador que fale ao coração, ele se espanta e começa a investigar nas Escrituras se essas coisas são assim. Quanto mais ouve e lê, mais convencido se torna, e mais intensamente medita essa Palavra dia e noite. Talvez encontre algum outro livro que explique e corrobore o que ele ouve e lê nas Escrituras. E por todos esses meios, os dardos da convicção penetram-lhe fundamente na alma. Começa também a falar das coisas de Deus, que dominam seus pensamentos, sim, e a falar com Deus, e orar a Deus, embora, de medo e de vergonha, mal sabia o que dizer. Mas, quer fale ou não, nada pode fazer senão orar, ainda que o faça somente através de “gemidos inexprimíveis”. Estando em dúvida dobre se “o Alto e Sublime, que habita a eternidade”, atentará para um tal pecador, deseja orar com os que conhecem a Deus, com fiéis, em meio da grande congregação.
Mas aí observa que outros vão à mesa do Senhor. Ele considera: “Cristo disse: Fazei isto! Como é que eu não faço? Sou demasiadamente pecador! Não sou digno. Não o mereço”. Após relutar por um momento em meio daquelas ideias e daqueles escrúpulos, levanta-se e vai à mesa do Senhor. E assim continua no caminho de Deus, ouvindo, lendo, meditando, orando e participando da Ceia do Senhor, até que Deus, de modo que lhe apraz, diz a seu coração: “Tua fé te salvou. Vai em paz”.
2. Observando esta ordem seguida por Deus, aprendemos quais sejamos meios recomendados e cada alma em particular. Se algum deles consegue tocar o estulto, descuidado pecador, provavelmente é pelo ouvir, ou pela conversação. Aos tais poderíamos, pois, recomendar esses meios, no caso de não terem tido nenhum pensamento acerca da salvação. A quem comece a sentir o peso de seus pecados, não só o ouvir, mas também a leitura da Palavra de Deus, e mesmo talvez de mais alguns livros sérios, pode ser um meio de convicção mais profunda. Não deves incutir no seu espírito a necessidade de também meditar sobre o que lê, para que as verdades, e não se envergonhar delas, principalmente em meio dos que seguem o mesmo caminho? Quando a perturbação e o abatimento caem sobre ele, não seria o momento exato de exortá-lo ardentemente a que derrame sua alma perante Deus, a “orar sempre e não desfalecer?” E, sentindo o pecador a indignidade de suas próprias orações, não deves cooperar com Deus, lembrando-lhe a conveniência de subir à casa do Senhor e ali orar com todos os que temem a Deus? Se ele fizer isso, a palavra cortante de seu Senhor logo lhe acudirá à lembrança, claro sinal de ser chegado o tampo de secundares os movimentos do Divino Espírito. E assim poderemos levá-lo, passo a passo, através dos meios que Deus estabeleceu; não segundo nossa própria vontade, mas exatamente segundo a Providência e o Espírito de Deus passem à frente e preparem o caminho.
3. Não encontramos, entretanto, no Sagrado Escrito, nenhum mandamento no tocante à ordem a ser seguida, sendo certo que nem a Providência, nem o Espírito de Deus se apega invariavelmente a qualquer meio; ao contrário, os meios pelos quais os diferentes homens têm sido levados a buscar e achar as bênçãos divinas diferem, invertem-se, combinam-se de mil modos imagináveis. Neste ponto toda nossa sabedoria consiste em seguirmos os ditames da Providência e do Espírito, em sermos guiados nesta questão (mais especialmente quanto aos meios através dos quais nós mesmos procuramos a graça de Deus), parte por sua Providência exterior, dando-nos oportunidade de usar algumas vezes de certos meios, outras vezes de outros; parte por nossa experiência, pela qual mais frequentemente é do agrado de seu livre Espírito operar em nosso coração. Entretanto, a regra segura e geral para todo que suspira pela salvação de Deus é esta: segundo as oportunidades se apresentem, usa de todos os meios que Deus ordenou; porque, quem sabe através de qual deles virá Deus a teu encontro com a graça que traz a salvação?
4. Quanto à maneira de usar os meios de graça, maneira especial de cuja observância na verdade depende a comunicação de qualquer favor a todo aquele que o procure, importa-nos, primeiro, guardar sempre o vivo sentimento de que Deus está acima dos meios. Tenhamos cuidado em não limitarmos o Todo-poderoso.
Ele opera como e quando lhe apraz, podendo comunicar sua graça através de qualquer meio ordenado – ou fora desses meios. Tudo depende de seu querer. “Quem conhece a mente do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro?” Esperai, pois, a cada momento, pela sua manifestação! Seja essa hora aquela em que estiverdes entregues à prática de suas ordenanças, seja antes ou seja depois, ou seja quando estiverdes impedidos de as observar. Ele não conhece impedimentos; está sempre pronto, sempre apto, sempre desejoso de salvar. “Ele é o Senhor; faça o que lhe parecer bem!”
Em segundo lugar, antes de usardes de qualquer meio, esteja profundamente gravado em vossa alma que – não há nenhum poder nesses meios. São, em si mesmos, uma coisa inócua, pobre, morta: separados de Deus, são uma folha seca, uma sombra. Nem há qualquer mérito no fato de eu usar desses meios: nada há que intrinsecamente agrade a Deus, nada neles há que mereça qualquer favor de suas mãos, seja sequer uma gota de água para me refrescar a língua. Mas, porque Deus manda, obedeço; porque aconselha a esperar nesse caminho, aí espero pela sua livre misericórdia, de onde vem minha salvação.
Firmai em vossos corações que o opus operatum, a mera operação realizada, de nada aproveita; que não há poder para salvar senão no Espírito de Deus, nenhum mérito, a não ser no sangue de Cristo; de modo que, ainda que Deus tenha estabelecido ordenanças, Ele não comunica à alma nenhuma graça, se não confiardes somente no Senhor. Por outro lado, aquele que verdadeiramente confia em Deus, não pode decair de sua graça, ainda que se veja privado de todas as ordenanças exteriores, ainda que se veja encerrado no centro da terra.
Em terceiro lugar, usando de todos os meios, buscai somente a Deus. Em tudo que é exterior e através de tudo, esperai somente no poder de seu Espírito e nos méritos de seu Filho. Guardai-vos de vos firmardes nas obras em si mesmas; se o fizerdes, todo vosso trabalho será em vão. Nada há que, separado de Deus, possa satisfazer vossa alma. Assim, buscai-o em tudo, através de tudo e acima de tudo.
Lembrai-vos de usar de todos os meios como meios, ordenados, não por sua própria finalidade, mas para renovar vossa alma na justiça e na verdadeira santidade. Se, pois, atualmente esses meios tendem para isso, muito bem; se não tendem, eles são escória e esterco.
Finalmente, depois de terdes usado de algum desses meios, tomai cuidado com a maneira por que vos congratulais convosco mesmos, como se houvéreis feito grande coisa. Tudo isso pode converter-se em veneno. Considerai: “De que valeria o que fizestes, se Deus não estivesse aí? Até quando? Ó Senhor, salva-nos, ou perecemos! Oh!
Não nos imputes este pecado!” Se Deus estivesse convosco, se seu amor circulasse em vosso coração, não vos esqueceríeis, por assim dizer, das obras exteriores. Vedes, conheceis e sentis que Deus está em todas as coisas. Humilhai-vos. Ajoelhai-vos diante de Deus. Dai-lhe toda a glória. Que Deus seja glorificado em todas as coisas, por Cristo Jesus. Que todos os vossos ossos clamem: “Meu cântico será sempre a bondade do Senhor: com nossos lábios sempre divulgaremos tua verdade de uma a outra geração”!
John Wesley
John Wesley (Epworth, Inglaterra, 17 de junho de 1703 — Londres, 2 de março de 1791) foi um clérigo anglicano e teólogo cristão britânico, líder precursor do movimento metodista e, ao lado de William Booth, um dos dois maiores avivacionistas da Grã-Bretanha. John Wesley viveu na Inglaterra no século XVIII, uma sociedade conturbada pela Revolução Industrial, onde crescia muito o número de desempregados. A Inglaterra estava cheia de mendigos itinerantes, políticos corruptos, vícios e violência generalizada. O cristianismo, em todas as suas denominações, estava definhando. Ao invés de influenciar, o cristianismo estava sendo influenciado, de maneira alarmante, pela apatia religiosa e pela degeneração moral. Dentre aqueles que não se conformavam com esse estado paralisante da religião cristã, sobressaiu-se John Wesley. Primeiro, durante o tempo de estudante na Universidade de Oxford, depois como líder no meio do povo.