Assim como esses dons miraculosos do Espírito eram apenas temporários com respeito àquelas pessoas particulares que os desfrutaram, também são apenas temporários com respeito à igreja de Deus tomada como um corpo coletivo.
Esses dons não são frutos do Espírito que foram dados para continuarem na igreja por todas as épocas. Eles existiram na igreja, ou pelo menos foram dados de tempos em tempos, embora não sem alguns intervalos consideráveis, do início do mundo até que o cânon da Escritura estivesse completo.
Foram concedidos à igreja antes do início do cânon sagrado, isto é, antes que o livro de Jó e os cinco livros de Moisés fossem escritos.
As pessoas tinham a palavra de Deus, então, de uma outra forma, isto é, por revelação imediata, de tempos em tempos, dadas a pessoas eminentes que eram, por assim dizer, pais na igreja de Deus. Essa revelação passou deles para outros pela tradição oral. Era muito comum, então, que o Espírito de Deus se comunicasse em sonhos e visões, como aparece em várias passagens no livro de Jó.
As pessoas possuíam dons extraordinários do Espírito antes do dilúvio. Deus, imediata e miraculosamente, revelou-se a Adão e a Eva, e assim também a Abel e a Enoque, de quem somos informados (Judas 14) ter o dom de profecia.
Semelhantemente, Noé recebeu revelações imediatas e avisou o mundo antigo da parte de Deus. Cristo, por seu Espírito falando através dele, foi e pregou aos espíritos que agora estão em prisão, que foram em outro tempo desobientes, quando a longanimidade de Deus aguardava enquanto a arca estava sendo preparada (1 Pe 3.19,20). E assim Abraão, Isaque e Jacó foram favorecidos com revelações imediatas. José teve dons extraordinários do Espírito, bem como Jó e seus amigos.
Desde esse tempo, parece ter havido uma interrupção dos dons extraordinários do Espírito até o tempo de Moisés; e, desde esse tempo, eles continuaram em uma sucessão de profetas que foi mantida, embora não sem que houvesse novamente interrupção, até ao tempo de Malaquias. Após isso, parece ter havido um longo intervalo de diversas centenas de anos, até à aurora do dia do evangelho, quando o Espírito começou novamente a ser dado em seus dons extraordinários, como o foi a Ana, Simeão, Zacarias e Isabel, Maria, José e a João Batista.
Essas comunicações do Espírito foram dadas para preparar o caminho para aquele que tem o Espírito sem medida, o grande profeta de Deus, por quem o Espírito é comunicado a todos os outros profetas. E nos dias da sua encarnação, seus discípulos tiveram uma medida dos dons miraculosos do Espírito, sendo assim capacitados a ensinar e a operar milagres. Mas, após a ressurreição e ascensão, houve a mais plena e notável efusão do Espírito em seus dons miraculosos que jamais ocorreu, começando no dia de Pentecostes, após Cristo haver ressuscitado e ascendido ao céu.
Em consequência disso, não apenas ocasionalmente uma pessoa extraordinária era agraciada com esses dons extraordinários, mas eram comuns na igreja, e assim continuaram durante o tempo de vida dos apóstolos, ou até a morte do último deles, ou seja, o apóstolo João. Isso ocorreu cerca de cem anos depois do nascimento de Cristo; de modo que os primeiros cem anos da era cristã, ou primeiro século, foi a era dos milagres. Mas, logo após isso, o cânon da Escritura estando completo quando o apóstolo João tinha escrito o livro de Apocalipse, o qual escreveu não muito antes de sua morte, esses dons miraculosos não mais prosseguiram na igreja.
Pois agora havia pronta uma revelação escrita e estabelecida da mente e vontade Deus, pela qual Deus havia plenamente registrado uma regra duradoura e todo-suficiente para sua igreja em todas as eras. E a nação e igreja judaicas sendo destruídas, e a igreja cristã e a última dispensação da igreja de Deus sendo estabelecidas, os dons miraculosos do Espírito não mais eram necessários. Portanto, eles cessaram; pois, embora tivessem existido na igreja por tantas eras, contudo, então, falharam, e Deus os fez falhar pois não havia mais ocasião adicional para eles. E assim foi cumprido o que foi dito no texto: “Havendo profecias, desaparecerão; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, passará” (1Co 13.8).
Agora, parecem ter cessado todos os frutos do Espírito semelhantes a esses, e não temos mais razões para esperá-los. E quanto àqueles frutos do Espírito que são comuns, tais como a convicção, iluminação, fé, etc., que são comuns tanto aos crentes como aos descrentes, esses são dados em todas as eras da igreja no mundo. Porém, com respeito às pessoas que têm esses dons comuns, eles cessarão quando elas vierem a morrer; e com respeito à igreja de Deus considerada coletivamente, eles cessarão e não mais haverá deles após o dia do julgamento.
Jonathan Edwards
Fonte: Jonathan Edwards – A Caridade e Seus Frutos: Uma Exposição Clássica sobre o Amor
Jonathan Edwards (5 de outubro de 1703 – 22 de março de 1758) foi pregador congregacional, teólogo calvinista e missionário aos índios americanos, e é considerado um dos maiores filósofos norte-americanos. O trabalho teológico de Edwards é muito abrangente, com sua defesa da teologia reformada, a metafísica do determinismo teológico, e a herança puritana. Edwards teve um papel fundamental na formação do Primeiro Grande Despertamento e supervisionou alguns dos primeiros fogos de avivamento em 1733-1735 na sua igreja em Northampton, Massachusetts.