É verdade que alguns grupos, tais como os Quakers, têm conservado alguns aspectos de misticismo dentro dos limites de sua compreensão evangélica e elementos das práticas místicas têm de fato crescido em muitos círculos pentecostais. Mas o misticismo clássico foi praticamente desconhecido nos círculos evangélicos, até 1978, quando o ministro quaker, Richard J. Foster, publicou sua obra “Celebração da Disciplina: O Caminho do Crescimento Espiritual.”
A obra Quaker foi elogiada pela revista Christianity Today, como um dos dez melhores livros evangélicos do Século 20 e votado pelos leitores dessa revista como o terceiro livro mais influente, depois da Bíblia. “Celebração da Disciplina” tem escancarado aos evangélicos as portas da compreensão da espiritualidade. O que Richard Foster tem feito, em essência, é reapresentar à igreja os chamados “mestres da vida interior”, conforme ele próprio costuma chamar os místicos medievais. Ele declara que eles apenas descobriram a chave da verdadeira vida espiritual, e que, aos poucos, com o passar dos últimos anos, ele convenceu multidões de que ele está certo.
Muitos destes, tendo crescido em igrejas que já não se especializavam no ensino das Escrituras, são deficientes no discernimento bíblico e, portanto, facilmente transformados em presa das técnicas de aparência espiritual, especialmente das que prometem encontros com Deus para uma mudança de vida. A seguir, daremos uma olhada nos ensinos principais de Foster.
Os místicos heróis de Foster
Foster apresenta ao leitor desavisado literalmente dúzias de místicos, alguns de tradição cristã, outros não. Muitos desses, conforme ele nos garante, viajaram pelas profundezas da experiência espiritual, as quais, nós, os cristãos modernos, nem sequer poderíamos imaginar. Ele deseja que saibamos que esses indivíduos conheciam os segredos de como se encontrar com Deus. E que se seguíssemos os seus esquemas, poderíamos também gozar as alegrias que eles tiveram. Mas, quem são exatamente esses místicos? Vamos citar três dos seus favoritos:
Eckhart fez declarações como esta: “A partir de agora, já não falarei sobre a alma, pois ela perdeu o seu nome, rumo à unidade com a essência divina. Então, ela já não mais será chamada alma, mas Ser Infinito… Ela mergulha no profundo abismo da natureza divina e se torna Uma com Deus, a ponto de dizer que ela é o próprio Deus”. Tais declarações não apenas aborreceram a igreja medieval, mas alguns pesquisadores modernos descobriram uma concordância na filosofia de Ekhart com a dos pontos principais dos místicos do Hinduísmo. (2). Outros eruditos não estão convencidos do Panteísmo de Eckhart, porém suas declarações certamente abrem a porta a tais interpretações. Ele é considerado entre os mais importantes místicos da Idade Média e tanto o misticismo antigo como o moderno refletem suas visões. A Centelha Divina de Eckhart corresponde, de um certo modo, aos ensinos do misticismo oriental, com a diferença de que a Centelha Divina do misticismo cristão é definida como o Deus que habita dentro de cada ser humano.
Foto: Os Monges Thomas Merton e Dalai Lama
Foi depois dessa experiência de “jornada”, a qual não é ensinada na Bíblia, sendo bastante comum no mundo ocultista, que Foster diz: “fui liberado para explorar as novas e não delineadas regiões do Espírito. Após esse evento, comecei e me direcionar às diversas disciplinas escritas neste livro, as quais eu jamais havia experimentado antes”. (8)
É muito preocupante que a magnun opus de Foster tenha provindo de um questionável encontro divino de natureza duvidosa. Contudo é também importante verificar que o sistema de formação espiritual ensinado por Foster não é retirado das Escrituras, mas de experiências subjetivas, envolvendo metodologias não bíblicas, pelas práticas místicas reforçadas pelos católicos romanos medievais. No mínimo, isso deveria dar o que pensar a quem está buscando a verdade. E que não se conclua automaticamente, como tantos têm feito, que Foster tenha descoberto as jóias que nos faltavam à verdadeira espiritualidade.
Ou como Eugene Peterson descreve no 25º aniversário da edição de “Celebração da Disciplina”: ”Como uma criança explorando o sótão de uma casa antiga, em dia de chuva, descobre um baú cheio de tesouro, e logo chama os irmãos e irmãs para compartilharem o achado, Foster encontrou as disciplinas espirituais que o mundo moderno havia guardado e esquecido e, euforicamente nos chamou para celebrar junto com ele. Pois elas são, conforme ele nos apresenta, instrumentos de alegria, caminho para a espiritualidade cristã madura e a vida abundante” (p.206). Fica ainda mais evidente a camada de poeira desta edição, a qual nos garante que “somente através de tais práticas é que a o verdadeiro caminho para o crescimento espiritual pode ser encontrado”.
Se o crescimento espiritual depende das disciplinas espirituais descritas no livro de Foster, não deveríamos esperar que elas constassem nas Escrituras? Por que teria Deus revelado tais disciplinas aos místicos católicos, em vez de tê-las revelado aos Seus apóstolos? E em seguida as tenha revelado a Foster, quando ele estudou os místicos da Igreja de Roma, usando técnicas ocultistas de meditação? Devemos andar com muito cuidado sobre esse campo espiritual minado!
Mas, quais são as disciplinas exatamente essenciais ao nosso desenvolvimento espiritual? Foster as cataloga em três categorias: as interiores, as exteriores e as corporativas (ou associadas). As duas primeiras disciplinas interiores tratam da oração (e serão assunto de atualização em registro posterior). O jejum é a terceira e, como seria de esperar, suas instruções sobre o jejum são puramente extrabíblicas. O propósito por trás do jejum, o valor deste e a metodologia são interessantes, mas puramente subjetivos, sem qualquer respaldo bíblico.
Outra disciplina interior é o estudo. O novo leitor de Foster deveria esperar que ele o conduzisse ao estudo da Escritura, como o principal meio de crescimento espiritual. Mas Foster tem idéias mais amplas: Realmente existem dois livros para serem estudados: o verbal e o não verbal. Livros verbais incluem qualquer literatura e um dos mais importantes métodos de estudo é a repetição. Aqui ele faz uso do rosário e/ou um tipo de oração hinduísta em circulo, como efetivos (p. 64). Após uma porção de sugestões sobre a leitura de livros, finalmente Foster discute o tipo de livros a serem lidos, a fim de nos fortalecerem o crescimento espiritual. Finalmente esperamos que ele nos vá conduzir ao estudo da Palavra de Deus, o que ele faz em apenas dois parágrafos, antes de apressadamente nos recomendar a leitura de livros dos clássicos místicos medievais.
O livro não verbal é principalmente a “leitura” da natureza. Aqui, com S. Francisco, ele encoraja o leitor “a tornar-se amigo das flores e dos animaizinhos que rastejam sobre a terra” (p. 74). Deveríamos ser também estudiosos das pessoas e de nós mesmos e conquanto haja indiscutível valor nisto, muitos têm passado a vida estudando a natureza e eles mesmos, sem contudo, ter a menor visão de Deus. Constantemente achamos que Foster não estará de modo algum interessado no estudo da Escritura, citando versos esparsos [em geral fora do contexto], sempre que estes lhe servem aos propósitos da meditação contemplativa.
As Disciplinas Exteriores começam com a simplicidade, a partir de uma vida simples, conforme delineada na herética seita dos quakers. Thomas Kelly, místico ao extremo, nos ensina que a simplicidade nos permite viver fora do “Centro Divino” (o que vem a ser isso?) e o existencialista Kierkegaard dizia que isso conduzia à santidade. Na tentativa de conseguir uma base bíblica para essa visão, Foster toma as Leis do Velho Testamento como modelo para o Cristianismo do Novo Testamento [o que significa que Moisés teria sido superior a Jesus Cristo] e tenta interpretar erroneamente cada passagem da Escritura que ele usa (embora frisando pontos em busca do reino de Deus).
A próxima disciplina é a solitude. Em vez de ter escrito um belo capítulo sobre a importância de nos livrarmos do barulho e das distrações mundanas, a fim de nos concentrarmos em Deus e na Sua Palavra, Foster entra no mundo católico medieval, no mundo dos quakers e dos místicos orientais. As citações de Merton, Teresa D’Ávila, John Woolman, George Fox e S. João da Cruz são abundantes. Termos como “O Centro Divino”, “Abertura Divina” e a “escura noite da alma” predominam no livro. É então que somos ensinados a fazer uma jornada, a fim de “escutar o trovão do silêncio de Deus” (p. 108). A disciplina seguinte é a submissão. Neste capítulo recebemos a dose mais forte de tolice psicológica, incluindo a auto-afirmação, auto-atualização e “o amor a nós mesmos”, com mutua submissão dentro do casamento.
A disciplina final é o serviço e, como as anteriores, esta também está mais embasada nos escritos dos místicos do que nas Escrituras. Isso é o que se poderia esperar de Foster, pois ele sempre coloca muito maior importância nas experiências místicas do que na Palavra de Deus. Ele escreve: “O verdadeiro serviço provém do relacionamento com o OUTRO profundo lado Divino. Nós servimos fora dos ansiados padrões, urgências divinas” (p. 128). Foster não apenas coloca consistentemente essas experiências subjetivas acima das Escrituras, mas no capítulo sobre o serviço ele até recomenda a auto-negação. “A mais estreita disciplina diária é necessária para manter as paixões em cheque. A carne deve aprender a penosa lição de que não tem direito algum a si mesma.
É a hora do serviço anônimo que vai completar essa auto-negação” (p 131, cf. 133). Isso é uma direta contradição ao que Paulo ensina em Colossenses 2:20-23 que as ordenanças “não são de valor algum senão para satisfação da carne” (v. 23).
A categoria final das disciplinas é a corporativa ou associada e aqui Foster não se sai melhor. A primeira disciplina corporativa é a confissão. Não nos surpreendemos ao descobrir que Foster apóia totalmente a posição da ICR com a confissão e absolvição (pp. 146-149). E por que não? Pois Dietrich Bonhoeffer garante que “Quando vou ao meu irmão em confissão, estou indo até Deus” (p. 146); e Foster deseja que saibamos que “a garantia de perdão é selada no Espírito Santo, quando é falada pelo nosso irmão ou irmã em o nome de Cristo”. (p. 148).
Visto como nada disso é retirado das Escrituras, como Foster pode ter certeza disso? Ora, somente os seus místicos favoritos apóiam suas visões, pois fazem o mesmo através de sua experiência pessoal. Foster conta: “Certa vez, quando recebia a confissão de uma senhora, ela me olhou e ‘viu’ sobrepostos em meus olhos os olhos de Outrem, os quais lhe traziam uma mensagem de amor e aceitação que a libertaram para aliviar o seu coração”. (p. 155). Conquanto nada na Bíblia implique, ainda que remotamente em tal experiência, somos levados a admitir que os olhos vistos que ela viu seriam os olhos de Deus!
Quanto à disciplina da adoração, ele diz: “A adoração é irromper na shekinah de Deus, ou melhor é ser invadido por ela”… “Não temos adorado o Senhor até que o Espírito toque o espírito … [E] tudo começa quando entramos na shekinah do coração” (pp. 158-162). Esta tortuosa compreensão da adoração é fortalecida com uma forte ênfase carismática: Como se pode ver, “se Jesus é nosso Líder, milagres devem ser operados durante a adoração. Tanto a cura interior como a exterior serão a regra e não a exceção” (p. 165). “Esses cultos terão profecia e palavras de conhecimento (p. 165) e isso porque “o mais poderoso incrementador do louvor no século 20 tem sido o Movimento Carismático. Através dele, Deus tem soprado uma nova vida e vitalidade em milhões” (p. 168).
Mas muito mais perturbadora é a idéia de que na adoração a Deus “nossas faculdades racionais sozinhas são inadequadas… Essa é a razão para o dom espiritual de línguas. Elas nos ajudam a sair da nossa mera adoração racional para uma comunhão íntima com o nosso Pai. Nossa mente exterior não pode saber o que está sendo dito, mas o nosso espírito interior o compreende”. “Espírito toca espírito (p. 169) Lembremo-nos do que foi dito acima, como temos adorado até que o Espírito toque o espírito e agora vemos o processo. É comum nos movermos da mente para as experiências místicas subjetivas, quando a verdadeira adoração acontece”.
Contudo, o que Foster tem comunicado é que a disciplina da adoração é previsível. “Muitos”, ele diz, “estão tendo uma profunda experiência com um Emanuel do Espírito – Deus conosco; um conhecimento que se encontra no poder do Espírito de Jesus tem guiado o seu próprio povo a ele mesmo; uma experiência de sua liderança, que é tão definitiva como imediata como a coluna de nuvens de dia e a coluna de fogo, à noite” (p. 175). Claro que o modelo desse tipo de liderança é o místico. Somos também apresentados, neste ponto, ao conceito católico dos diretores espirituais (pp. 185-187), algo que Foster acredita que somente os monges católicos romanos conhecem no dia de hoje.
Richard J. Foster é um teólogo cristão e autor da Quaker tradição. Seus escritos falam para um público amplo cristã. Ele foi professor na Universidade de Amigos e do pastor evangélico Amigos igrejas. Foster reside em Denver, Colorado . Obteve o seu diploma de graduação na Universidade George Fox , em Oregon e seu doutorado em Teologia Pastoral no Seminário Teológico Fuller.
Fonte: Biblical Discernment Ministries
Bibliografia:
[1] Georgia Harkness, Mysticism, (Nashville, Tennessee: Abingdon Press, 1973), p. 106.
[2] See Winfried Corduan, Mysticism: an Evangelical Option?, (Grand Rapids: Zondervan, 1991), pp. 106-107.
[3] See Ray Yungen, A Time of Departing, (Silverton, Oregon: Lighthouse Trails Publishing Company, 2002), p. 75.
[4] Richard Foster and Emilie Griffen, Spiritual Classics, (San Francisco: Harper, 2000), p. 17.
[5] As cited in Yungen p. 75.
[6] Thomas Merton, Conjectures of a Guilty Bystander, Image Edition of 1989, (Garden City, NY: Doubleday, 1966), pp. 157, 158.
[7] Richard Foster, Celebration of Discipline, Third Edition, (San Francisco: Harper, 1978), p. 149.
[8] Ibid., p. 150.
* Excerpted and/or adapted from the February 2005 Think On These Things, “Mysticism Part II,” by Pastor Gary Gilley, Southern View Chapel, Springfield, IL 62703. For a primer on mysticism, see Gilley’s January 2005 Think On These Things, “Mysticism Part I: Mysticism, a Way of the Past, the Wave of the Future.“
Traduzido por Mary Schultze