“Deus escolheu a sua própria família” – Charles H. Spurgeon

As grandes verdades sempre se encontram na Bíblia, exclusivamente na Bíblia. Vocês não acreditam em qualquer outro livro além da Bíblia, acreditam? Se eu pudesse provar aquilo que afirmo, com base em todos os livros da cristandade; se eu pudesse voltar no tempo e achar provas na biblioteca de Alexandria, mesmo assim vocês não acreditariam nesta doutrina mais do que antes; mas por certo vocês darão crédito ao que diz a Palavra de Deus.

Selecionei alguns poucos textos para serem lidos a vocês. Quando temo que vocês possam desconfiar de alguma verdade, gosto de apresentar uma série inteira de passagens da Bíblia, a fim de que vocês se sintam por demais impressionados para duvidarem, se porventura realmente não acreditam em tal verdade. Tão-somente permitam-me examinar uma série de trechos bíblicos, onde os crentes são chamados de eleitos. Naturalmente, se as pessoas estão sendo chamadas de eleitas, não se pode duvidar que deve haver uma eleição. Se Jesus Cristo e os Seus apóstolos estavam acostumados a designar os discípulos pelo título de eleitos, então certamente devemos crer que é isso que eles são, porque, de outra maneira, tal vocábulo não significaria coisa nenhuma.

Jesus Cristo declarou: “Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se salvaria; mas, por causa dos eleitos que ele escolheu, abreviou tais dias”. E também: “…pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos”. E ainda: “E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, da extremidade da terra até a extremidade do céu” (Marcos 13:20, 22 e 27). “Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?” (Lucas 18:7). Juntamente com esses, muitos outros trechos bíblicos poderiam ser selecionados, onde aparecem palavras como “eleitos”, “escolhidos”, “conhecidos deSPURGE2ON antemão” ou “destinados”, ou então onde aparece alguma expressão como “minhas ovelhas”, ou alguma designação similar, demonstrando que o povo de Cristo é distinguido do resto da humanidade.

Porém, vocês devem possuir suas próprias concordâncias bíblicas, e não precisarei perturbá-los com muitos textos. Em todas as epístolas dos apóstolos, os santos são continuamente chamados de “os eleitos”. Na epístola aos Colossenses, encontramos Paulo asseverando: “Revesti-vos, pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia…” (3:12). Quando Paulo escreveu a Tito, designou a si mesmo nestes termos: “Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus…” (Tito 1:1). E, referindo-se aos crentes, o apóstolo Pedro estipula: “… eleitos, segundo a presciência de Deus Pai…” (I Pedro 1:2). E então, se vocês examinarem os escritos de João, descobrirão que ele apreciava muitíssimo esse vocábulo. Declara ele: “O presbítero à senhora eleita…” (II João 1). E também refere-se aos “… filhos da tua irmã eleita… (II João 13). E, por semelhante modo, sabemos onde é que está escrito: “Aquela que se encontra em Babilônia, também eleita, vos saúda…” (I Pedro 5:13). Não, durante aqueles primeiros dias, os crentes não se envergonhavam de usar essa palavra; e nem receavam falar a respeito da idéia por ela representada.

No entanto, nestes nossos dias, tenho que admitir, esse vocábulo tem sido revestido de certa diversidade de significações, e muitas pessoas têm mutilado e manchado essa doutrina da eleição, de maneira tal que a têm transformado numa autêntica doutrina de demônios. E muitos daqueles que atualmente se chamam de crentes, bandearam-se para as fileiras dos antinomianos (1). A despeito de tudo isso, por qual motivo haveríamos de sentir vergonha dessa idéia, ainda que os homens a tenham distorcido? Amemos a verdade de Deus quando ela está sendo atacada, tanto quando ela está sendo aceita. Se por acaso houve algum mártir a quem já amávamos antes dele ser submetido à tortura da roda, deveríamos amá-lo mais ainda depois que ele já foi esticado e torturado ali. Quando a verdade de Deus é submetida às pressões, não devemos tachá-la de falsa. Gostamos de ver a verdade de Deus quando ela está sendo submetida a alguma provação, porque então podemos discernir qual é a exata proporção que ela teria, se não tivesse sido distorcida e torturada pela crueldade e pelas invenções astuciosas dos homens.

Se vocês tivessem oportunidade de ler as muitas epístolas que os antigos pais da Igreja escreveram, então descobririam que eles sempre se dirigiram ao povo de Deus chamando-os de “os eleitos”. De fato, o vocábulo comumente utilizado nas conversações diárias, entre muitos daqueles cristãos primitivos, para aludirem uns aos outros, era “eleito”. Com grande frequência empregavam o termo para se dirigirem uns aos outros, ficando assim demonstrado que eles acreditavam que todo o povo de Deus manifestamente se compõe de “eleitos” do Senhor.

No entanto, passemos a examinar os versículos bíblicos que provarão, de forma positiva, a veracidade dessa doutrina. Abram suas Bíblias no trecho de João 15:16, e ali vocês observarão que Jesus Cristo escolheu o Seu povo, pois Ele mesmo declara: “Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros, e vos designei para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda”. E em seguida, no versículo 19 desse mesmo capítulo, assegura o Senhor: “Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia”.

Verifiquem também o que está escrito em João 17:8, 9: “… porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus”. E abramos ainda as nossas Bíblias na passagem de Atos 13:48: “Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna”. Se certos indivíduos quiserem dissecar em pedacinhos miúdos essa passagem, poderão fazê-lo; mas o fato inegável é que ela diz “destinados para a vida eterna”, no original grego, tão claramente como é possível dizê-lo; e não nos importamos com todos os comentários em contrário que têm surgido.

Vocês quase nem precisam ser relembrados a respeito do que ensina o capítulo 8 da epístola aos Romanos, porque confio que vocês estão perfeitamente familiarizados com aquele capítulo, e que, por esta altura dos acontecimentos, já o estão compreendendo perfeitamente bem. Lemos ali, nos versículos 29 e seguintes: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas cousas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou a seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura não nos dará graciosamente com ele todas as cousas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica”.

Por semelhante modo, é desnecessário repetir por inteiro o capítulo 9 da epístola aos Romanos. Enquanto esse capítulo continuar sendo uma parte integrante das Escrituras, ninguém será capaz de provar que o arminianismo está com a razão. Enquanto esse capítulo estiver ali, nem mesmo as mais violentas distorções do texto serão capazes de extirpar das Escrituras a doutrina da eleição. Não obstante, leiamos versículos como este: “E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço” (vv. 11 e 12). E em seguida lemos, no versículo 22 e seguintes: “Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão…?”

Mas poderíamos, igualmente, apelar para o trecho de Romanos 11:7, que determina: “Que diremos, pois? O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos”. E no versículo 5 daquele mesmo capítulo, lemos: “Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça”. Não há que duvidar, porém, que vocês todos estão lembrados da passagem de I Coríntios 1:26-29, que estipula: “Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as cousas loucas do mundo para envergonhar os sábios, e escolheu as cousas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as cousas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus”.

Uma vez mais, recordemo-nos de uma passagem como a de I Tessalonicenses 5:9: “… porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo”. E, finalmente, vocês poderão considerar o meu texto, o qual, confor me penso, deveria servir de prova suficiente da doutrina da eleição. Entretanto, se vocês continuam precisando de mais provas, poderão encontrá-las procurando-as com mais vagar, se porventura não têm conseguido até agora remover as suas dúvidas a respeito da doutrina.


(1) Abuso da doutrina da graça que leva a uma vida religiosa pecaminosa, indolente e frouxa.

Fonte: O texto é um trecho do sermão pregado por Charles H. Spurgeon, no dia 2 de setembro de 1855, na Capela New Park Street em Southwark, Inglaterra.

“Deus escolheu a sua própria família” – Charles H. Spurgeon

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